A recente publicação do mais novo relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) trouxeram alertas quanto ao clima mundial. A divulgação do relatório vem na esteira de temporadas de seca e um inverno marcado pela geada no Sul do Brasil, evidenciando um tema já alertado há anos: as mudanças climáticas.
O clima extremo se torna cada vez uma tendência global – afetando diretamente no setor agrícola, que precisa se adaptar rapidamente à uma nova realidade de temperaturas e chuvas. O meteorologista Gustavo Verardo contou sobre as previsões para o país, assim como a correlação com o desmatamento e as previsões para a agricultura.
Portal do Mate: O que podemos esperar do clima nos próximos anos, especialmente na região Sul do país?
Gustavo Verardo: Nos últimos tempos presenciamos muitas adversidades com relação ao clima. Podemos chamar de clima extremo, ou seja, as mudanças climáticas estão batendo à nossa porta, efeitos estimados há mais de 20 anos estão acontecendo agora. Essas mudanças climáticas fazem parte do nosso dia a dia e da nossa rotina. Porquê? A terra tem uma componente climática muito dinâmica, ou seja, tudo está interligado. Só para termos ideia: o que acontece no Oceano Índico, entre a Índia e a África tem uma resposta de chuva aqui no Hemisfério Sul, especialmente no período úmido da região Sudeste, Nordeste e Norte. Nos últimos anos, a redução de chuva nessas áreas nos meses de verão tem sido bastante expressiva.
Sabemos que o conjunto climático depende de diversos fatores como correntes marítimas e temperatura dos oceanos que regula o clima na Terra, então sabemos que tudo está sendo modificado e intensificado nos extremos. Observamos especialmente em 2020, uma condição de clima muito extremo, com temperaturas muito baixas por exemplo. No fim de julho, no Sul, tivemos temperaturas de -9 a -10ºC, com geadas generalizadas e prejuízo ao campo. O setor agrícola é o setor econômico mais afetado pelas mudanças climáticas, pois o regime de chuvas é mexido: passamos a ter mais dias com chuva abaixo da média e, de acordo com alguma virada do tempo, podemos ter uma enchente. Esse clima extremo vai se tornar cada vez mais frequente nas nossas vidas, de acordo com o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), no qual diversos cientistas do mundo se reúnem para prever cenários do clima. É unânime que a temperatura da terra está aumentando e isso vai favorecer um desequilíbrio muito grande com relação a massas de ar frio, massas de ar quente e principalmente uma mudança drástica no regime de chuva em diversas partes do globo.
Outras questão: o desmatamento da Amazônia. A gente sabe que a Amazônia é um suporte muito grande para a chuva no Brasil e quanto mais ela é desmatada, menos evaporação temos na atmosfera e consequentemente os rios voadores, correntes de ar que transportam calor e umidade principalmente para o Sudeste e o Sul, podem perder intensidade. O Sudeste do Brasil pode começar a virar um cerrado, ou seja, devemos começar a ter uma redução drástica de chuvas. Porém, alguns estudos, especialmente do IPCC, nos mostram que alguns cenários passam a ter um Sul do Brasil mais úmido, ou seja, futuramente podemos ter aumento de chuva no Sul do Brasil, enquanto o restante das áreas passa a ter decréscimo de chuva.
Sabemos que as mudanças climáticas estão ai e que temos que fazer a nossa parte, principalmente não desmatando e cuidando seriamente do nosso meio ambiente, afinal, florestas e oceanos são as forças que regulam o clima na terra.
Portal: Como as mudanças climáticas afetam culturas perenes como a erva-mate?
Gustavo: A chuva é a principal variável que influencia na questão agrometeorológica. A erva-mate e culturas perenes são muito afetadas por ela, pois temos uma mudança no regime de chuvas. Temos meses com muita chuva e meses com quase nada de chuva. Na época de germinação ou brotação podemos não ter a condição e a quantidade suficiente de água para formar esse broto, por exemplo. Todas as culturas perenes futuramente podem ter bastante problemas e dificuldades.
Portal: E como a alteração do regime de chuvas na região Sul impacta nas florestas nativas?
Gustavo: Sabemos que cada bioma que temos no Brasil ocorre por conta de diferentes regimes de chuva: no Nordeste temos uma cultura de babaçu, um coqueiro. A floresta amazônica tem outro tipo de vegetação, o estado de Goiás é a região do Cerrado com árvores mais ralas e arbustos e a região Sul tem uma grande mistura, por exemplo desde o pampa gaúcho até a floresta de araucárias e a floresta mais quente e úmida. Futuramente, devido aos impactos e mudanças no regime de chuvas anual e mensal, podemos ter diferentes espécies tentando se readaptar ao novo tipo de clima. Isso vai causar uma readaptação dos tipos de vegetação e florestas no Brasil de modo geral.
Portal: Como a temperatura afeta uma área de plantio? No Mato Grosso do Sul, produtores de erva-mate têm dificuldade com perda de mudas devido ao calor e seca no inverno, por exemplo.
Gustavo: O Mato Grosso do Sul tem um regime de chuvas mais sazonal, inverno mais seco e verão mais úmido, com o cenário de mudanças climáticas, podemos ter aumento de temperatura do ar e do solo e isso pode influenciar no crescimento e desenvolvimento de diversas culturas, entre elas a erva-mate. A temperatura do ar exerce força na temperatura do solo que também tende a ter aumento podendo prejudicar essa cultura futuramente.
Portal: Por fim, o quanto um microclima pode mudar de uma cidade pra outra, de um local pra outro, e o que o agricultor pode ficar atento pra perceber no microclima da sua região?
Gustavo: Microclimas são estritamente ligados ao relevo, ou seja, áreas de baixadas costumam acumular mais ar frio e mais ar quente também no verão. Em áreas mais baixas e de terrenos mais acidentados a gente costuma ter temperaturas baixas no inverno. Dentro de mesmo município podemos ter variação de temperatura de até 5 ºC. Sabemos que o agricultor precisa ter esse discernimento sobre áreas mais baixas, que vão estar mais suscetíveis à geadas mais extremas, que pode ser um agravante e prejudica o desenvolvimento de certas culturas como erva-mate.
Portal: Quais as condições de chuva para os próximos meses?
Gustavo: Para setembro temos uma condição de chuva um pouco melhor entre Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, porém outubro, novembro e dezembro devemos ter deficit de chuva, ou seja, grande parte da primavera deve ter pouca chuva. Devemos começar o verão com os reservatórios ainda bastante baixos.
Quanto às temperaturas, como estamos com atuação da La Ninã, ainda podemos ter ondas de frio tardias, ou seja, o frio pode se estender nesse ano até meados de outubro, com mínimas baixas.
Parabéns pelo site!
ótimo conteúdo.
Desejo-lhes sucesso.
Bom dia.
Precisamos ouvir também o Meteorologista, Físico e Professor Luiz Carlos Baldicero Molion.