Planejar, integrar e persistir: como a comunicação pode transformar o setor ervateiro

A obtenção da indicação geográfica para a erva-mate de São Mateus do Sul e região deu um salto na valorização tanto do produto quanto das cidades produtoras. Porém, além do trabalho base de garantir a qualidade e características da erva-mate são-mateuense, levar ao grande público a informação sobre esse destaque é um trabalho de bastidores, por vezes sequer percebido. É na comunicação e marketing que se apoia a possibilidade de tornar o IG-Mathe e seus produtores amplamente reconhecidos.

São-mateuense que cresceu nesse polo ervateiro, a jornalista e co-fundadora do Portal do Mate, Larissa Drabeski, observa o grande potencial da região para ganhar destaque. Doutoranda em Comunicação pela UFPR e com MBA em Administração e Marketing pela Uninter, Larissa assina um dos textos publicados no recém-lançado livro Bella Cidade dos Verdes Hervaes. No artigo “Da Ilex paraguariensis ao ouro verde de São Mateus do Sul: a comunicação como composto estratégico para valorização da erva-mate”, ela analisa esse aspecto pouco explorado na cadeia da erva-mate. Nessa entrevista, Larissa destaca o papel da comunicação para criação de uma imagem consolidada e o grande potencial da região de São Mateus do Sul.

Portal do Mate: Quais os aspectos sobre a erva-mate de São Mateus do Sul que podem ter destaque na comunicação e marketing?

Larissa Drabeski: Há vários aspectos do cultivo e do consumo da erva-mate que têm um potencial grande de comunicação. Esse é um produto que carrega várias questões consigo, desde a cultura do consumo relacionada ao chimarrão, ao chá-mate em algumas regiões e a própria cultura da produção.

Focando em São Mateus do Sul, que é o tema do livro, há características marcantes de produção familiar e produção integrada à mata nativa. Temos um produto muito ligado à história e cultura de cada região e isso torna a erva-mate um produto com muito potencial comunicativo, pois podemos pensar em estratégias de comunicação que se liguem a públicos específicos e que atendam às demandas dos públicos específicos. A própria história da erva-mate é um componente que pode ser trabalhado: aqui no Paraná ela ajudou a desenvolver a história do estado.

“Apesar de ter esse potencial, muitas vezes a comunicação é pouco explorada. E isso pensando na comunicação não apenas como propaganda, mas a própria disponibilização de informação para a cadeia produtiva e consumidora”

Larissa Drabeski, jornalista e mestre em Comunicação

É importante destacar que apesar de ter esse potencial, muitas vezes a comunicação é pouco explorada. E isso pensando na comunicação não apenas como propaganda, mas a própria disponibilização de informação para a cadeia produtiva e consumidora. Há essa lacuna e foi daí que surgiu o Portal do Mate, para tentar preencher essa lacuna.

Portal: No artigo você cita algumas iniciativas de São Mateus do Sul que são destaque para criar um ambiente relacionado à erva-mate na região. Eles seriam potenciais de comunicação ligados ao IG Mathe?

Larissa: Primeiro podemos pensar o que significa comunicar nesses espaços. Quando falamos de usar a comunicação de forma estratégica, não é apenas a comunicação de redes sociais ou no jornal. A própria forma como as pessoas se relacionam, a comunicação interpessoal, o espaço urbano, são formas de comunicação e são relevantes para pensar na construção de imagem.

Vale citar que o artigo foi escrito em 2017 e teve alguns avanços em relação à comunicação de lá para cá. Um dos aspectos marcantes é a Rua do Mate, que foi inaugurada na cidade. É uma rua coberta e a ideia é que esse espaço possa abrigar eventos, feiras livres que já fazem parte da cultura da região e também um espaço de socialização. Ele foi inaugurado no período da pandemia, mas já está sendo adotado pela população da cidade e tem tudo para ser espaço de integração e promoção de eventos relacionados à cultura ervateira.

Outro exemplo vem junto com o desenvolvimento da região do IG Mathe. Por muito tempo São Mateus foi produtora, mas sem uma marca forte. Muito da produção daqui foi vendida para outras ervateiras que empacotavam e vendiam sem a referência à cidade. Nos últimos anos há diversas ações de valorização, com crescimento de marcas de São Mateus, vendidas com o selo de São Mateus e a tendência é que isso continue.

Portal: Como integrar diversos atores para criar uma comunicação única para a cidade e região?

Larissa: Podemos pensar em três eixos: planejamento, integração e persistência.

No planejamento: existem profissionais com desenvolvimento técnico abrangendo todas as questões, tanto agronômicas, quanto de formas de trabalho, de marketing, de produto e comunicação, de buscar novos mercados. Mas é importante que essas pessoas trabalhem juntas para desenvolver essas tecnologias mais adequadas à região. Então esse planejamento pensando em tecnologias e em movimentos de longo prazo é essencial.

A integração também é essencial, pois mesmo com vários concorrentes no negócio, quando se fala da valorização de produtos da região, se todos trabalham juntos e a valorização acontece, todos ganham juntos. Esse é um ponto chave do desenvolvimento do IG. Se não houvesse ocorrido essa integração entre vários produtores, o IG Mathe não seria uma realidade hoje.

E outra questão que é tanto relevante quanto um desafio para cidades pequenas é a persistência, pois os resultados demoram para aparecer. Conseguir uma certificação não é de um dia para outro e tornar essa certificação um diferencial na imagem do produto leva tempo, precisa de várias ações e ações contínuas. Muitas ações acabam sendo abandonadas antes que pudessem amadurecer e dar resultados positivos.

“Conseguir uma certificação não é de um dia para outro e tornar essa certificação um diferencial na imagem do produto leva tempo, precisa de várias ações e ações contínuas.”

Portal: É mais fácil o poder público ou setor privado fazerem essa construção?

Larissa: Não sei se a chave da questão está no setor público ou privado, mas na parceria. Nós vemos que ela já existe, por exemplo o Chimarródromo, que foi fruto de uma parceria público-privada. Mas esse tipo de medida não pode ocorrer de cima para baixo. A população precisa aceitar a ideia.

O IG Mathe vai se tornar realidade, se fortalecer e ser sustentável a longo prazo se produtores de erva-mate se integrarem nesse processo, adequarem suas propriedades e produção para manter esse diferencial. O mesmo ocorre com a comunicação. Por exemplo: para transformar um espaço em Rua do Mate, precisamos aceitar a lógica daquela comunidade e que só funciona se a comunidade aceitar aquele espaço e o tomar para si. Não adianta querer criar algo que está fora do dia a dia de uma região. Não podem ser ações verticalizadas.

Portal: Lendo teu artigo pensei muito em casos conhecidos, como o de Gramado e Canela e até do Vale dos Vinhedos, em Bento Gonçalves. Você acha que São Mateus do Sul pode se tornar referência como esses lugares? E que outros lugares do Brasil também fizeram essa construção de imagem?

Larissa: Muitas vezes o poder de investimento é limitado, mas é possível pensar em estratégias que permitam a valorização da imagem, pois investimento não é só dinheiro, é dedicação e tempo. Há exemplos no qual a construção de imagem de uma região ocorreu de forma mais orgânica com as práticas que já ocorriam, sem depender de investimentos grandes, mas contínuos de todos os setores.

Lembro do exemplo de Morretes (PR), um destino turístico muito baseado no barreado e na cachaça. É exemplo de uma cultura já tradicional na região, mas que foi valorizada para que se tornasse um chamariz para o turismo e fazer a cidade conhecida por esses produtos. Tem a uva Goethe de Santa Catarina que também é referência na região de Urussanga, SC. E o queijo da Serra da Canastra, uma região com grande potencial turístico na qual a produção do queijo é hoje o chamariz principal.

Tem várias iniciativas semelhantes no Brasil que podem inspirar esse modelo. Acredito que podemos fazer com que a produção da erva-mate se torne referência e propulsor para que o município e a região possam desenvolver ações de turismo.

Portal: O que mais você destacaria em relação à comunicação ervateira?

Larissa: Para desenvolver um produto precisamos pensar em todos os componentes do marketing. Valorizar a qualidade do produto, pensar na cadeia de distribuição, construir valor e construir a imagem do produto. Qualquer que seja a região que queira valorizar sua produção ervateira, é preciso pensar na comunicação como componente estratégico. Às vezes nossa comunicação é muito superficial, fica só nas redes sociais e não vai a fundo. Ela não chega ao objetivo central da comunicação, que é estabelecer um elo comum com os consumidores. Se a gente não consegue estabelecer essa ligação, a comunicação não está atingindo seu objetivo. E por isso vale a pena pensar, planejar e investir nesse componente.

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