Renda da floresta: como o sistema faxinal se beneficia da erva-mate

Paulo Muchal Wenglarek tem 57 anos. Todos eles vividos no Emboque, em São Mateus do Sul (PR). Essa área agrícola de 160 hectares é casa de 60 famílias e compõe um dos modelos mais tradicionais de comunidade rural do Brasil: o Sistema de Faxinal. Aqui, a renda vem tanto da lavoura quanto da floresta: essas comunidades têm produção de erva-mate em um modelo exemplar de sustentabilidade. Seja com extrativismo ou plantios em meio às araucárias, os faxinais são um reduto de modos tradicionais de cultivo e preservação ambiental.

A erva-mate dos faxinais costuma ser valorizada por não ter adição de agrotóxicos. O extrativismo ainda representa o maior volume das colheitas, porém plantios extensivos de erva-mate já estão surgindo nessas comunidades. Ainda assim, muitos mantém o sistema tradicional, no qual a renovação dos ervais se dá dentro do próprio mato.

Porcos são soltos nos criadouros comunitários no faxinal Emboq.ue Crédito: Ana Wenglarek
Porcos são soltos nos criadouros comunitários no faxinal Emboque. Foto: Ana Wenglarek

O agricultor Paulo Wenglarek tem cerca de 30 hectares de erva-mate – deles, 80% são nativas e estão dentro das matas de araucária. Com o erval ganhando idade e reduzindo a produtividade, ele começou a plantar, tudo ainda na sombra proporcionada pela floresta. A colheita é feita anualmente, em uma rotação que dá um intervalo de 3 anos em cada erval. “Tenho outras áreas de cultivo, de orgânicos, mas a erva-mate é na floresta. Nossa erva é pura, adubada com a folha das outras árvores e não usamos capina química, nada de agrotóxicos, a limpeza a gente ainda faz na roçada”, conta ele.

Apesar de a erva-mate a pleno sol ter uma produtividade mais alta, ele não abre mão da qualidade que a sombra da floresta traz a seu produto. Tudo é processado na própria comunidade, no sistema de barbaquá. A venda ocorre tanto direto para o consumidor quanto para feirantes de Curitiba e pequenas marcas, que ressaltam a origem da erva-mate e o selo de orgânico. “Isso agrega melhor valor e ainda garante o sabor diferenciado. Quem toma mate conhece o sabor de mate puro da floresta”, diz Paulo.

Preservação ambiental e cultural

No livro ‘Bella Cidade dos Verdes Hervaes’, os geógrafos Wagner da Silva e Arleriane de Fátima Ferreira Portugal assinam um capítulo dedicado ao estudo do Faxinal do Emboque, onde Paulo mora. O sistema é fonte de diversos estudos, que ressaltam a importância dessas comunidades como espaços de preservação ambiental e cultural. Atualmente, são 44 faxinais reconhecidos oficialmente, todos no sul do Brasil, porém há estimativa que existam mais faxinais não registrados.

Nascidos na época da chegada de imigrantes ao Brasil, os faxinais destacam a diversidade étnica do país: alguns são de cultura polonesa, outros ucranianos, outros caboclos. Algumas características, porém, se repetem mesmo em diferentes etnias. O que caracteriza um Sistema Faxinal são três pilares: o extrativismo florestal, especialmente de erva-mate e araucária; o plantio de policultura para consumo e comercialização; e a produção de animais soltos, nos chamados criadouros comunitários.

Esse último item é um dos que mais chama atenção e que mantém a tradição comunitária. “Os animais são criados à solta, têm liberdade maior para percorrer todo o criadouro, passando por regiões de araucária. A maioria volta para as propriedades dos donos no fim do dia”, explica Wagner. Segundo o autor, isso reduz o custo de ração, já que os animais pastam e se alimentam das frutas da floresta.

“Hoje tá acabando a água, quanto menos florestas existem, menos chuva vamos ter”, diz ele, explicando como o solo torna-se uma esponja nesses locais.

Paulo Wenglarek

Arleriane ressalta que outra característica comum são sistemas agrícolas aliados à preservação ambiental. “Tanto os faxinais quanto outras comunidades tradicionais do Brasil são importantes para essa preservação, pois entendem que dependem da natureza e fazem a preservação pensando no amanhã”, finaliza.

A erva-mate é dos exemplos dessa produção sustentável, na qual agricultor e floresta fazem as pazes. “É uma boa possibilidade de renda a mais, pois não exige tanto trabalho. São alguns meses de trabalho e há essa renda garantida”, observa Wagner.

Para o faxinalense Paulo, não há dúvida quanto à escolha. Defensor da floresta e seus habitantes, ele usa a mata para a erva-mate e coleta de pinhão, além de abrigar colmeias de abelhas. As áreas de campo são dedicadas a outros plantios, como feijão, milho, arroz, batata. Mirando no longo prazo, ele garante assim uso integral de sua terra e todos os seus recursos. E preserva a floresta e a tradição do faxinal. “É um sistema perfeito”, alegra-se ele.

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