Diversas pesquisas realizadas no Brasil têm indicado novos caminhos para o uso da erva-mate. Para além dos tradicionais usos em forma de chimarrão e tererê, que representam 80% do consumo nacional, pesquisadores se dedicam a explorar os princípios ativos da planta, formas de processamento e desenvolvimento de novos produtos, tanto para a indústria alimentícia quanto a farmacêutica e a de cosméticos.
“A erva-mate hoje é classificada como bebida estimulante pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), devido ao seu teor de cafeína, assim como o café e o guaraná. Porém, ela tem uma composição de compostos bioativos muito rica, são quase 200 compostos químicos”, conta Cristiane Helm, pesquisadora da área de alimentos da Embrapa Florestas à frente dos estudos sobre a planta.
Com base no detalhamento dos compostos, Cristiane e uma equipe de alunos desenvolvem produtos que ampliam os potenciais de mercado da erva-mate, incluindo-a em diversas indústrias. Alguns já estão lançados no mercado, enquanto outros aguardam investimentos.
Para além da cafeína
Com quase 200 compostos bioativos, a erva-mate extrapola o mero uso estimulante. Na própria indústria alimentícia, as possibilidades para além das bebidas são inúmeras. A farinha feita das folhas é um exemplo – já existem no mercado pães, bolos e biscoitos à base de Ilex paraguariensis.
Um fator importante para disseminar o uso alimentício da erva-mate está justamente em uma de suas características mais conhecidas: a cafeína. Desde a muda até o tipo de processamento das folhas altera o teor de cafeína dos extratos. Para muitas indústrias, menos cafeína representa menos amargor – uma qualidade desejável para a criação de alimentos.
“O extrato de erva-mate pode ser utilizado para conservar os alimentos ou como um aditivo natural antioxidante e conservante. Outra característica importante é a cor verde natural, na substituição de corantes artificiais, principalmente para alimentação infantil”
Cristiane Helm, pesquisadora da área de alimentos da Embrapa Florestas
Pesquisas com criação de mudas com menos cafeína e também métodos de processamento que não alterem as qualidades de cor e dos compostos bioativos da planta já aumentam as possibilidades de uso desse ingrediente. Cristiane conta que, para a manutenção da cor e compostos, por exemplo, a melhor secagem é a feita em micro-ondas. Já a erva triturada em forma de pó é aquela que disponibiliza mais compostos ativos para o corpo humano.
A proprietária da Heide Extratos Vegetais, Ana Carolina Winkler Heemann, trabalha há 20 anos com esses compostos. Atualmente, são quatro os produtos que a empresa disponibiliza – todas para indústrias do setor alimentício e de cosmética.
Para alimentos, a empresa produz o Extrato Aquoso de Chá Mate (usado para chá mate) e a Erva-Mate Solúvel (usado como ativo antioxidante em indústrias de alimentos funcionais); para cosméticos, o Fitoglicerinado Erva-Mate (usado em shampoos e condicionadores) e o Extrato Oleoso de Erva-Mate (usado em emulsões e óleos corporais).
Uma das principais características procuradas é a antioxidante – devido ao elevado teor de polifenóis nas folhas. “Além disso, o teor em metilxantinas (cafeína, teobromina e teofilina) contribui para atividade tônica e de aumento da microcirculação periférica. Já nos extratos elaborados com o chá mate (erva-mate tostada) o que se busca são o sabor e o aroma característicos, uma vez que os polifenóis são transformados em compostos aromáticos com a tosta”, conta Ana Carolina.
A Heide mantém uma patente de inovação com o Grupo Boticário, voltado ao uso de erva-mate em produtos capilares. Além disso, em 2020 o trabalho com o uso dos ativos microencapsulados recebeu o 1º lugar na categoria ingrediente sustentável no Sustainable Beauty Awards promovido pela Ecovia Intelligence na Europa.
De ração a embalagens
Mas a erva-mate não para por aí. Os potenciais antibacterianos da planta tornam ela um produto interessante para rações animais, conforme um estudo que testou esse alimento para peixes. “Melhora muito a qualidade da carne, pois não precisa de tanto antibiótico para os animais”, conta Cristiane.
O mesmo princípio faz a planta desejável para a indústria farmacêutica. Um estudo identificou que o uso de extrato de erva-mate em bandagens feitas de celulose e amido de milho aumenta o potencial cicatrizante dos curativos.
A característica antibacteriana junto à antioxidante aumenta ainda mais o potencial de seu uso. Em testes, o desenvolvimento de bactérias patogênicas foi inibido com a erva-mate. “O extrato de erva-mate pode ser utilizado para conservar os alimentos, também um aditivo natural antioxidante e conservante”, conta Cristiane. “Outra característica importante é a cor verde natural, na substituição de corantes artificiais, principalmente para alimentação infantil”, conta ela.
E a lista não para. Estudos apontam para a indústria da inovação. Em pesquisa realizada com a Universidade de Blumenau (FURB) foi testado com êxito o uso da erva para a criação de embalagens biodegradáveis.
Incentivo das indústrias
Com tantos potenciais, o que falta para a erva-mate ganhar de vez as prateleiras? Interesse empresarial. Cristiane conta que muitas pesquisas já destacam as diversas possibilidades de uso desse produto, porém esses potenciais ainda não chamaram interesse das indústrias. “Precisamos divulgar mais. Falta chegar na prateleira do supermercado”, lamenta.
“As pessoas ainda são tímidas para investir, mas poderíamos ter uma indústria de alimentos grande com a erva-mate. É um alimento funcional – pode-se comer em cookie, em uma barrinha de cereal. São produtos que poderiam existir no mercado, mas não temos empresas com essa visão. O que falta mesmo é as empresas se interessarem pelo produto e entenderem o quanto é importante ter esses benefícios à saúde”, defende a pesquisadora.
No mercado da erva-mate, iniciativas de diversos empreendedores buscam introduzir novos produtos nas prateleiras de supermercados, nos empórios e em outras formas de comercialização. No entanto, esta inserção ainda busca consolidação. Unir as pontas da pesquisa com o desenvolvimento de produtos e a criação de um mercado consumidor é o desafio para que a erva-mate possa ir além da cuia do chimarrão e do tererê.
“Com tantos potenciais, o que falta para a erva-mate ganhar de vez as prateleiras? Interesse empresarial.”
Ora, ora, ora… Então os “empreendedores” não estão a fim de empreender?! Interessante…